quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A RAINHA ESCARLATE


Gustav Klimt "adão e eva"



Brasil, 1932.




Deslizou as mãos pelo vestido escarlate estendido sobre a cama, sua seda macia e brilhante fizeram as lembranças de anos vividos retornarem à memória tão ressequida pelo tempo, tempos áureos onde as cores vivas se estendiam por sua pele e por seus cabelos, trazendo filas infinitas de homens à sua porta dispostos a tudo e a pagar qualquer preço por um pouco de sua atenção, levantou-se e caminhou até o espelho, sentou-se em sua penteadeira e iniciou um ritual sagrado que se repetia por incontáveis anos, passou o rouge nas faces e nos lábios, chamou Verônica, uma de suas meninas mais promissoras, que entrou em seu quarto com seu sorriso mais descarado.

─ Madame Gabrielle, o salão está lotado, tens que descer logo, todos perguntam como está sua saúde.

─ Verônica, faça um de seus penteados, um digno de minha pessoa, esta é a ultima noite que visto o vermelho.

Madame Gabrielle voltou aos seus devaneios, enquanto Verônica tagarelava sem parar e iniciava o penteado em seus cabelos, olhou-se no espelho, seus olhos cor de jade já não tinham o mesmo brilho como na sua juventude, seus cabelos ruivos agora estavam quase totalmente brancos, com exceção de algumas mechas vermelhas que produziam um contraste interessante na cortesã, sua pele continuava alva, porém o tempo deixou suas marcas, demonstrado toda sua crueldade, concluiu com desgosto que sua vida passou muito rápido, mas que guardava em sua memória cada minuto do que viveu. Não se recordava de sua vida antes de se tornar uma cortesã, bloqueou essas lembranças para não se tornar fraca e vulnerável diante daqueles que sentem prazer provocando dor física e psicológica.

Lembrava-se de sua primeira vez, uma dolorosa lembrança com um velho tropeiro grotesco que a fez sentir nojo e dor, o odor de cachaça e sujeira. A experiência foi humilhante e cruel para uma moça que foi obrigada a recorrer a sua própria carne para não morrer de fome. Depois daquele dia, decidiu que era insensível, pois ser assim tornava tudo mais fácil, porém, certo dia a sorte finalmente resolveu aparecer, um forasteiro de passagem no fim do mundo onde a pequena se submetia a esses caprichos encantou-se com sua beleza exótica, iniciou-se um jogo de sedução e prazer, carnes, cabelos emaranhados, dedos e apertos, somente as lembranças destes momentos faziam com que a chama da paixão reacendesse no interior da mulher que vivia a proporcionar essas sensações. O homem que despertou tantas emoções naquela jovem chamava-se Julian, alto, com uma pele de tom bronzeado, cabelos negros, com alguns fios grisalhos na lateral, um sorriso branco e farto, coisa rara naquela localidade. Foi ele que a conduziu do nada ao tudo, a tirou do interior e a colocou na cidade do Rio de janeiro, foram amantes e amigos e escandalizaram toda a aristocracia com a falta de pudor apaixonada que demonstravam.

Toda bonança tem seu fim, e era obvio que aqueles tempos também acabariam, Julian viu-se obrigado a escolher entre a mulher perdida e sua fortuna, pois os pais ameaçaram deserda-lo, e como mulher sensata, Gabrielle retirou-se de cena, ganhou uma considerável quantia de Julian, com a qual abriu o prostíbulo que passou a ser sua razão de viver, e o céu de muitos homens. Sua casa era conhecida como “Monte Olimpo”, uma referencia a casa dos Deuses gregos, dizia-se que o “Monte Olimpo” era o lugar onde os cariocas da mais alta estirpe sucumbiam aos prazeres da carne e onde as Ninfas e Deusas mais belas estavam aguardando para proporcionar prazer.

─ Pronto! Está lindo Madame. Agora se Madame não necessitar mais de meus serviços, descerei para receber os clientes.

─ Pode descer minha querida e lembre-se sempre Verônica, de manter o sorriso no rosto, pois aqui é onde damos alegria e paz aos que não conseguem em seu lar.

─Sempre Madame.

Com a saída de Verônica, Madame Gabrielle encheu seu copo de absinto, acendeu um cigarro, caminhou até a janela e ficou observando as estrelas. Voltou-se até a cama e vestiu o vermelho que a deixou conhecida por muitos como a rainha escarlate da paixão, abriu a gaveta do criado mudo e pegou o pequeno frasco com conteúdo precioso, despejou o líquido em sua taça de absinto e ingeriu de uma só vez.

Deitou-se serenamente em sua ampla cama, fechou os olhos e morreu sorridente, seu ultimo pensamento foi Julian, recebera a notícia de sua morte naquela manhã, ele foi a única pessoa que ela amou e as melhores lembranças, a sua vida se foi com ele, viveu para amar e morreu amando e cada vez que se deitou pensou nele, cada toque de outro homem sentiu os toques dele, cada minuto de prazer foi projetado em sua imaginação ao seu amado, entregou sua alma e foi sua perdição, não havia lugar para amor na vida que escolheu, ou se vive o amor ou acaba-se junto com ele.